terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Sophia.

            Tempos atrás, estava caminhando distraída pela rua, sem pensar em nada, caminhando por caminhar mesmo. De repente, olhei pro outro lado da rua e vi Sophia. Ela estava diferente. Cabelos bem cuidados, curtos, no estilo Channel. Ela usava aquele corte desde os quatorze. Estava com um vestido florido e uma calça vermelha por baixo. Achei ridículo porque, insistia em dizer que aquela combinação ficava boa só em mim.
            Atravessei a rua e peguei em seu braço. Ela se virou rapidamente e me deu um abraço caloroso. Convidei-a para tomar um café.
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            Desde pequena, ela sempre teve tudo o que quis. Sempre melhor que eu. Na aula, tirávamos notas iguais. Nas roupas, ela se vestia melhor. Tinha mais desenvoltura. No amor, amávamos o mesmo menino. E continuamos amando por um bom tempo. Ela sempre conseguiu o que queria. Até o amor do tal menino.
           Chamava-se Victor. Tocava numa banda de roquenrol. Tinha um ego enorme e todas as garotas aos seus pés.  Ela sempre foi apaixonada por ele. Eu tinha atração. Foi então que, namoraram. Logo após, sem querer, eu namorei-o também. Maldito. Trocou-me por ela. Ela era ingênua, tinha um olhar de menina. Mudou completamente. Cortou o cabelo, pintou de vermelho e ousou nas vestes. Não era mais a Sophia que gostava de pagode. Era a Sophia junkie que gostava de panquerroque.  Começou com a cocaína, logo após foi pra heroína. Gostava de coisas pesadas. Na verdade, acho que nem gostava, fazia tudo só pra acompanhar o Victor.
            Eu sentia muita raiva dela porque, ela roubou meus amigos, roubou meu namorado e fazia coisas que era pra eu estar fazendo. Tudo bem, segui com o meu roquenrol.
            Passaram-se quinze anos e eu nunca mais tinha visto ela. Até aquele dia.


           — Então, como está você? – perguntei eu.
           — Devagar e sempre né. E tu? Casou-se?
           — Não, você sempre soube que eu nunca quis casar. Mas estou junto com o Henry há quinze anos. E você? Soube que seguiu a vida de atriz e foi pra Europa...
          — Eu casei e estou casadíssima até hoje. Mas hein, que relação longa essa tua com o tal de Henry. Achei que fosse só mais uma das tuas aventuras pra esquecer o Victor.
         —Ba, e, tem visto o Victor? Eu nunca mais soube dele desde aquele dia em que pedi pra ele parar de correr atrás de mim. Afinal, você o amava mais que eu.
        — Aconteceu exatamente como você e a Maria previam. Nos casamos. Temos um filho. Ele ainda toca em bandas de roque. Mês passado ele saiu em turnê com a banda. Estão fazendo sucesso na Inglaterra.
       — Que bom, fico feliz por vocês. Afinal de contas, vocês se merecem mesmo.
       — Você sempre foi a preferida dele e continua sendo.
       — Não gostava quando ele dizia isso. Até porque, não gostava dele. E não gostava quando ele te enganava e saía comigo.
      — Águas passadas, não é mesmo. Eu tenho que agradecer você porque, de certa forma, você me doou a tua vida, o teu amor e teus amigos.
     — Que fique bem claro: Você estar casada, com filho, rica e tudo mais, não tem a menor importância pra mim. Você sempre teve esse desejo. Ser eu. Enquanto eu lutava desesperadamente pra ser como você.
     — Eu sempre quis te ver. Quis saber como você estava. Toda noite, é tortura pra mim. Eu tenho que dormir no quarto do João Roberto pra não ter que ouvir o Victor chamar pelo teu nome. Ele está comigo, mas és tu quem ele ama. Sempre amou. Você sempre foi uma pedra no meu sapato.
     — Eu achei que ele já tinha me esquecido. Mande lembranças minhas e do Henry. Aqui está meu endereço. Espero vocês numa tarde de domingo pra tomar um chá. Até logo.
    — Não pode fugir dele pra sempre e nem da nossa conversa.
    — Eu sei que não, mas posso adiar o máximo que eu puder. Tchau.
    — Ta, tchau então.
    Saí pensando no Victor e no filho deles. Tentei imaginar como seria se eu tivesse vivido na pele dela, roubado os amigos de volta e começado a ter uma vida junkie como a dela. Me arrependi profundamente e agradeci à não sei que Deus por ter colocado Henry na minha vida.
Sempre tem algo que fica por dizer. Problema por solucionar. Amizade por se fazer.
Tudo pronto, eu vou, mais uma vez, tentar o amor lá longe.
Como passe de mágica
Cada dia aumenta mais.
A felicidade
O amor
A solidão.

À estes, digo eu, saltem pra fora.
Se as pessoas não concordassem consigo mesmas o mundo seria um lugar melhor.

André Arietta