quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O bolo de carne ainda está na mesa, te esperando.
O vira-latas atravessou a rua todo contente.
Hoje era dia de sopa com pedaços de frango.
Pensou "a galinha é minha hoje, estou feito"
Enganou-se.
Mal chegou do outro lado
E um vira-copos já tinha tomado conta de sua galinha.

Fica pra próxima quarta.
 Pensou ele.

The heart that you own

Choro ao saber que nunca mais vou repousar a cabeça cansada no teu peito magro, quase seco. Tento te achar em braços alheios em colchões jogados no chão, sujos que nem os donos. Não acho nada. Nem um último suspiro. Nem a dor causada. Só resta a saudade, eu e uns braços, que já foram só meus um dia.

domingo, 26 de dezembro de 2010

 Nos encontramos no final da festa; não sabíamos direito se devíamos ficar próximos ou não, pois o governo estava de olho na gente e, qualquer deslize seria fatal.
 Conversamos, no beijamos e saímos do local.
 -Achei que tu não me quisesse mais.
 -Independente do que aconteça, eu sempre vou querer você, lindinho.
 -Às vezes não parece.
 -Mas nem tudo o que parece é.E eu sempre quero você.
 Me abraçou e seguimos.
  Nos amamos pelo resto da noite.

Sabe, eu não sei se é amor antigo, ou é um gostar de agora. Mas sinto que se eu pirar, só você vai me curar e que não importa que isso tudo seja uma mentira. Minha vida é uma mentira, o que vier é lucro. E se, dentre todos eu escolhi você, deve ter uma razão especial; já que somos o que comemos. E eu, particularmente, adoro te comer, lindinho.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Se disseste que me amas, iria correndo pro teu abraço apertado.
Caso contrário, preferiria ficar te amando em segredo. Te admirando de longe
Te querendo à distância e não sabendo agir quando ficamos a sós.
Boa noite, obrigado e até mais...
Ah se eu tivesse coragem de arriscar...

domingo, 19 de dezembro de 2010

vamos até à praia? deitar a cabeça nos braços, apoiar os braços na janela aberta, vento entrando, remexendo nos cabelos, no rosto (...)




C.F.A.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Eu vivo numa peça de teatro
onde o personagem principal - mocinho ou vilão-
encenado por mim,
morre antes mesmo de entrar
no palco
que não é elevado à nenhuma altura
e se mistura com a plateia
pra agradecer as críticas
dos que tem a desventura de me ver
nua, crua e insólita.
Parece ser eterno.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Afinal, ter ido lá, naquele dia cinza, teria valido mesmo à pena? Me perder dentro daquele abraço magro e miserável, foi em vão? Ouvir mentiras saindo daquela boca macia, era tudo o que eu queria?
Não sei, meu amigo. Mas prefiro continuando não saber; deixa assim, enquanto acontece está bom. Depois...ah depois a gente se preocupa com o futuro dos nossos coraçõezinhos amargurados.
Meu coração é um bar de uma única mesa,debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon,contemplado por um único garçom.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010




Como uma ligação no meio da noite pode te deixar nas nuvens?
E como aquele homem, que você nem conhecia mais, ainda deixa seu coração aos pulos quando se aproxima de você?

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Não era permitido a duas pessoas se encontrarem num sábado à noite e, ostensivas, humilharem a todos com sua infelicidade dividida.




Caio

domingo, 12 de dezembro de 2010

As crises de tosse voltaram, com elas, voltaram também a insônia, a angústia e um punhado de tristezas.
Estou ficando cada dia mais velho e mais pálido. Não tenho apetite e só me resta uma sede insaciável de qualquer coisa gelada.
No espelho, a fisionomia desfigurada do que costumava ser um homem.
ão consigo mais escrever, não consigo mais pensar..virei um completo lunático.
Nada que me faça crer no amor novamente acontece..
Já é tarde e eu aqui. Ainda.
Os dedos passam entre o teclado quase enferrujado e a garganta seca novamente.
E de repente, um sorriso aliviado me vem no rosto, lembrei de ti minha dama das rosas.

sábado, 11 de dezembro de 2010

 você me ama pelo que me mata com coca-cola no boteco da esquina, e a vida acontecendo em volta, escrota e nua.








C.f.a.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Você é anormal menina. Eita,o que ele fazia de tão especial? Tipo,sei que não é fácil esquecer, mas gostar às vezes é estranho...

Não fazia nada...Eu só..
Só gostava, entende?

Mas porque gosta "às vezes'' dele ainda?

Por gostar. Me apeguei à ele como nunca me apeguei a ninguém...Prendi e não quis mais soltar

Entendo. E ele, por onde anda?

Pelas ruas de um Porto, caçando borboletas em estômagos vazios, fazendo espelhar aquele riso viciante nos vidros dos carros e nas poças d'água..
Amando mulheres, garotas, meninas...Amando todas, menos à mim.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

"Se vestiu de borboleta,
pegou ventos livres
e vôou por aí...

Feliz em ser ela mesma a própria."


Maxuel Scorpia

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

não me serve ser parte de algum grupinho com cara de bunda, nariz pra cima. a gente precisa de público, pouco ou muito, mas gente palpável.






biAh weRTHer

domingo, 5 de dezembro de 2010

Guarda-Mofo I

Por onde começar? Eis o ponto mais difícil de toda história que se preste.



Os mais íntimos me chamam de Lucy, por casa dos Beatles, ou por causa da macaca mesmo, mas meu nome é Joana, tenho 22 anos e não sei quem sou.  Tenho 1,75 cm de altura, a cor do meu cabelo varia de acordo com a tinta que coloco, gosto de vermelho e detesto futebol. Tenho um emprego razoavelmente bom, faço faculdade. Moro num apartamentozinho, a mobília é pouca e a cozinha é pequena. Meu pai é morto. Minha mãe é viva. Tenho uma penca de amigos, mas amigos mesmo, são dois. Enjôo rápido das pessoas, elas me sufocam e eu, sagitariana, adoro liberdade. Gosto de climas cults, chuva, velas, fotografias velhas, óculos de grau, maquinas de escrever, beber até vomitar a bebida e beber de novo (não, isso é nojento, não a parte de beber o vomito, mas a parte de vomitar.), cigarros e comprimidos, sejam eles de chocolate ou pra dormir.
Sim, sou alcoólatra e fumante. Mas não viciada. Isso não. Me pilho muito no tal de rock’n’roll. Sonho em casar com Bob Dylan e queria ter tido um romance com Johnny Cash ou um filho com Elvis Presley. Bom, chega, parei de falar sobre meus gostos, fantasias, aspectos físicos e de como vivo. O que me interessa mesmo, são as emoções.
As do passado, trago comigo, as do presente, vou guardando e as futuras, bom, essas ainda estão enroladas na bobina. Nos dias cinzas, até arrisco escrever algumas linhas, tentando em vão, transpor minhas emoções pro papel. Me dou conta que, estou cheia de poeira, mofo, bolor, que estou ficando cada dia mais velha e não há como parar o tempo. Sou ultrapassada diariamente por mim mesma. E toda vez, que olho no espelho, é aquela garotinha com medo de sentar no colo do Papai Noel, que vejo. Aquela mesma garotinha cheia de maldade por trás dos olhos de jabuticaba, que está doida pra cortar as orelhas do cachorro. Já que falei em cachorro, lembrei, tenho um, mas isso não interessa; não agora.
Guardo tudo na cabeça. Acho meio tosco essa coisa de ter diário. Sempre quis ter um. Adoro coisas toscas. Em época de final de ano, sempre torço pra ganhar. E é em vão. Não consigo me imaginar chegando na livraria e pedindo, verdade seja dita, conseguir eu consigo:
— Bom dia, eu queria um diário com capa vermelha de veludo e com cadeado dourado.
E a atendente lá, me olhando espantada, pergunta:
—É pra sua sobrinha ou pra irmãzinha? Se for, tem uns modelinhos da Barbie que chegaram anteontem! Ai, você vai amar!
—Moça, é pra mim mesmo.
—Ah, ok. Já vou pegar
E sai com vergonha. Eu, com mais vergonha ainda, pego, pago e saio com diário de capa vermelha e cadeado dourado.

Não, isso não é pra mim ok.


Não que seja de suma importância pra mim, mencionar os meus relacionamentos anteriores. Mas, é necessário.
Nunca amei ninguém. Acho toscas essas coisas de amar e tal. Deve ser porque eu nunca amei ninguém. Os dois homens que marcaram a minha vida, acabaram sendo uns babacas. Comecei a acabei pela internet. Nada melhor e mais frio que isso. Se bem que, nunca dei tanta importância assim pra começos e finais de namoricos. Sempre começou e acabou do mesmo jeito. No vazio. Nunca olhei nos olhos de uma pessoa e disse: “Eu Te Amo!” É, nunquinha. Tento conhecer rapazes mais velhos e acho meio estranho sair com os mais novos. É, eu não sou igual às outras garotinhas que sonham com seus príncipes encantados em seus grandes e lindos alazões. Eu quero um homem. Mas o homem que sempre procurei noutros homens. Aquele que me entenda, que cozinhe pra mim, que me conte piadas, que me faça rir e chorar ao mesmo tempo, que admita ser homem o bastante pra me amar sem esconder de ninguém.
É, eu sou romântica. Mas na internet, busco o sarcasmo.
Afinal, internet é tão importante assim? Só porque a minha vida praticamente basea-se na internet não quer dizer que eu não possa viver sem ela.
 Ta certo, eu não posso viver sem ela mesmo. Mas, voltando ao assunto, meus relacionamentos foram curtos, de grandes e pequenas emoções. Resumidos em boas conversas, boas brigas e em boas noites, com sexo ou não, mas geralmente com drogas.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Sábado é sempre sábado, igual em Paris, Porto Alegre ou Cingapura. Sempre no ar aquela expectativa - pizza, cinema ou beijo, não importa.






C.F.A

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Lugar de samba enredo é na escola..

Te ver tão bem - mas tão bem- assim, me faz ter desconfianças.
Duvido até da sombra os passarinhos nos fios de luz.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Ela ia calma no meio do asfalto. Fone de ouvido e o volume máximo. Do outro lado da rua algumas pessoas escutaram a música. Gravação caseira, parecia. Uma voz rouca e doce, violão ao fundo. A buzina soou uma vez. Duas. Três vezes. E ela preferiu continuar escutando o Coiote cantar.
O mundo foi-se tornando aos poucos 
um enorme leque escancarado de mil possibilidades (...)
aprendi o jeito de também ser lindo'




Caio F.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

domingo, 28 de novembro de 2010

"Certo dia me perguntaram:
- Por que você se apaixonou?
Eu repondi:
- Não sei… E talvez continue não sabendo. Eu simplesmente amo, acordo e vou dormir com ela nos meus pensamentos."

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Vem dizendo que me ama e é sempre assim. Não sei até quando vou suportar essas tuas manias.
Por isso rezo, e peço toda noite: "Por favor, faça ele parar com isso." Pra quem quiser ouvir.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

'...colocou a mão sobre o coração e disse:
“Estou sentindo uma coisa estranha aqui". Fechou os olhos e morreu.
Como um passarinho, diria minha avó, e eu sempre achava esquisito:
passarinho, pra mim, morria com pedrada de bodoque.
Não era nada suave, imagino. Prefiro pensar que Ana morreu como uma fada, se é que as fadas morrem. Mas isso é detalhe.
O que importa é que Ana era mesmo meio fada.'


Caio F. Abreu
'...colocou a mão sobre o coração e disse:
“Estou sentindo uma coisa estranha aqui". Fechou os olhos e morreu.
Como um passarinho, diria minha avó, e eu sempre achava esquisito:
passarinho, pra mim, morria com pedrada de bodoque.
Não era nada suave, imagino. Prefiro pensar que Ana morreu como uma fada, se é que as fadas morrem. Mas isso é detalhe.
O que importa é que Ana era mesmo meio fada.'


Caio F. Abreu

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

THE RAVEN

 
    Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary
    Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
    While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
    As some one gently rapping at my chamber door.
    ‘ ’Tis some visitor, ’I muttered, ‘tapping at my chamber door—
               Only this, and nothing more.’
 
    Ah, distinctly I remember it was in the Bleak December,
    And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
    Eagerly I wished the morrow; —vainly I had sought to borrow
    From my books surcease of sorrow—sorrow for the lost Lenore—
    For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore—
               Nameless here for evermore
    And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
    Thrilled me—filled me with fantastic terrors never felt before;
    So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating,
    ‘ ’Tis some visitor entreating entrance at my chamber door—
    Some later visitor entreating entrance at my chamber door;—
               This it is, and nothing more.’
    Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
    ‘Sir’, said I, ‘orMadam, truly your forgiveness I implore;
    But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
    And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
    That I scarce was sure I heard you’,—here I opened wide the door;—
               Darkness there, and nothing more.
    Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
    Doubting, dreaming dreams no mortals ever dared to dream before;
    But the silence was unbroken, and the stillness gave no token,
    And the only word there spoken was the whispered word, ‘Lenore!’,
    This I whispered, and an echo murmured back the word, ‘Lenore!’—
               Merely this, and nothing more.
    Back into the chamber turning, all my soul within me burning,
    Soon again I heard a tapping somewhat louder than before.
    ‘Surely,’ said I, ‘surely that is something at my window lattice:
    Let me see, then, what thereat is, and this mystery explore—
    Let my heart be still a moment and this mystery explore;—
               ’Tis the wind and nothing more.’

    Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
    In there stepped a stately raven of the saintly days of yore;
    Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he;
    But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door—
    Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door—
               Perched, and sat, and nothing more.
    Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
    By the grave and stern decorum of the countenance it wore.
    ‘Though thy crest be shorn and shaven, thou,’ I said,
                                                               [‘art sure no craven,]
    Ghastly grim and ancient raven wandering from the Nightly shore—
    Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian Shore!’
               Quoth the Raven, ‘Nevermore’.
    Much I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
    Though its answer little meaning—little re relevancy bore;
    For we cannot help agreeing that no living human being
    Ever yet was blest with seeing bird above his chamber door—
    Bird or beast upon the sculptured bust above his chamber door,
               With such name as ‘Nevermore’.
    But the raven, sitting lonely on the placid bust, spoke only
    That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
    Nothing further then he uttered—not a feather then he fluttered—
    Till I scarcely more than muttered, ‘other friends have flown before—
    On the morrow he will leave me, as my hopes have flown before.’
               Then the bird said, ‘Nevermore’.
    Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken,
    ‘Doubtless’, said, ‘what it utters is its only stock and store,
    Caught from some unhappy master whom unmerciful Disaster
    Followed fast and followed faster till his songs one burden bore—
    Till the dirges of his Hope that melancholy burden bore
               Of ‘‘Never-nevermore’’.’
    But the Raven still beguiling all my fancy into smiling,
    Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird, and bust and door;
    Then upon the velvet sinking, I betook myself to linking
    Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore—
    What this grim, ungainly, ghastly, gaunt and ominous bird of yore
               Meant in croaking ‘Nevermore’.
    This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
    To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
    This and more I sat divining, with my head at ease reclining
    On the cushion's velvet lining that the lamplight gloated o’er,
    But whose velvet violet lining with the lamplight gloating o’er,
               She shall press, ah, nevermore!
    Then me thought the air grew denser, perfumed from an unseen censer
    Swung by Seraphim whose footfalls tinkled on the tufted floor.
    ‘Wretch’, I cried, ‘thy God hath lent thee—
    Respite—respite and nepenthe, from thy memories of Lenore!
    Quaff, oh quaff this kind nepenthe and forget this lost Lenore!’
               Quoth the Raven, ‘Nevermore’.
     ‘Prophet!’ said I,  ‘thing of evil!—prophet still, if bird or devil!—
    Whether Tempter sent,or whether tempest tossed thee here ashore,
    Desolate yet allundaunted, on this desert land enchanted—
    On this home by horrorhaunted—tell me truly, I implore—
    Is there—is there balm in Gilead?—tell me—tell me, I implore’
               Quoth the Raven, ‘Nevermore’.
    ‘Prophet!’ said I, ‘thing of evil!—prophet still, if bird or devil!—
    By that Heaven that bends above us—by that God we both adore—
    Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
    It shall clasp a sainted maiden whom the angels name Lenore—
    Clasp a rare and radiant maiden whom the angels name Lenore.’
               Quoth the Raven, ‘Nevermore’.
    ‘Be that word our sign in parting, bird or fiend,’, I shrieked, upstarting—
    ‘Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
    Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken!
    Leave my loneliness unbroken!—quit the bust above my door!
    Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!’
               Quoth the Raven, ‘Nevermore’.
    And the Raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
    On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
    And his eyes have all seeming of a demon's that is dreaming,
    And the lamp lighto’er him streaming throws his shadow on the floor;
    And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
               Shall be lifted—nevermore!


Allan Poe.
"Na terra do coração passei o dia pensando - coração meu, meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa. Ficou só com-cor, ação repetido, invertido - ação, cor - sem sentido - couro, ação e não. Quis vê-lo, escapava.
Batia e rebatia, escondido no peito. Então fechei os olhos, viajei. E como quem gira um caleidoscópio, vi:

Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe.

(...)

Meu coração é um traço seco. Vertical, pós-moderno, coloridíssimo de neon, gravado em fundo preto. Puro artifício, definitivo.

Meu coração é um entardecer de verão, numa cidadezinha à beira-mar. A brisa sopra, saiu a primeira estrela. Há moças na janela, rapazes pela praça, tules violetas sobre os montes onde o sol se p6os. A lua cheia brotou do mar. Os apaixonados suspiram. E se apaixonam ainda mais.

Meu coração é um anjo de pedra de asa quebrada.

Meu coração é um bar de uma única mesa, debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon, contemplado por um único garçom. Ao fundo, Tom Waits geme um único verso arranhado. Rouco, louco.Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, é saboroso de todos os sabores. Quem dele provar, será feliz para sempre.

(...)

Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Veja. Levam junto quem me ama, me levam junto também.Faquir involuntário, cascata de champanha, púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, verso de Mário Quintana, vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro, papel crepom, cão uivando pra lua, ruína, simulacro, varinha de incenso.



 Caio Fernando Abreu 

domingo, 21 de novembro de 2010

"Que lindos olhos, que lindos olhos tem você
Que ainda hoje, que ainda hoje eu reparei
S’eu reparasse, s’eu reparasse a mais tempo
Eu não amava, eu não amava quem amei."



(Que lindos olhos, Villa-Lobos, presente no roteiro na minissérie: Hoje é dia de Maria)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

"Eu to chorando pelo que podia ter sido e não foi.”
"O amor não resolve nada. O amor é uma coisa pessoal, e alimenta-se do respeito mútuo. Mas isto não transcende o colectivo. Levamos já dois mil anos dizendo-nos isso de amar-nos uns aos outros. E serviu de alguma coisa? Poderíamos mudá-lo por respeitar-nos uns aos outros, para ver se assim tem mais eficácia. Porque o amor não é suficiente."







José Saramago
Don't let me down.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ria de mim, mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula, só porque no meio desse lixo todo procuro o verdadeiro amor.


C.F.A.
'Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.(...)

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar,
se perde de si mesma.' 



Marina Colasanti
“Eu estou vivendo uma coisa muito boa. Aquela coisa que a gente suspeita que nunca vai acontecer. Aconteceu.”



  
  
Caio Fernando Abreu

sábado, 13 de novembro de 2010

Saio vagando pelas ruas de um porto dos não muito alegres. A cada esquina que viro, cada rosto que vejo, tenho a esperança de que do nada - assim mesmo- você apareça na minha frente.
Me distraio e esqueço um pouco de tudo, mas os lugares me fazem lembrar novamente e os cheiros ainda estão intactos.
De repente, eis que surge metade de um "você". O rosto escondido por Giuseppe Garibaldi, mas o cabelo, o casaco e tudo, até a tua cor amorenada me fazem crer que é você. Meu coração dispara. Começo a tremer. Suo frio. Com a esperança de um "oi" ou pelo menos um olhar indiferente da tua parte.
Eis que teu outro eu sai detrás de Giuseppe e eu procuro me acalmar. Estou desapontada. Triste. Mas me alivio a ilusão com a dor.
Sabe, nos últimos dias tenho sentido muitas saudades de ti; dia desses até acordei com teu cheiro. Pena que não tinha camisa, lençol e nem você. Só aquele cheirinho de guri rico mulambento que eu ficava sentindo por horas enquanto estávamos juntos.
Entro num ônibus, por fim. E com angústia me despeço da minha querida, e linda, futura namorada...Ah Porto Alegre, tu deverias me trazer mais pra perto de ti, ou ir pra bem mais perto de mim; mesmo assim, meu amor não acaba -e não acabará- jamais, feito o afeto e a saudade que eu sinto de um coiote dilacerador de corações amargurados.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Não basta esperar, tem que conseguir esperar e acreditar que tudo vai dar certo. Se não for tudo, que seja só uma partezinha, de qualquer coisa, em qualquer situação.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Só mais um.



Usar a tristeza.
Como inspiração.
Já virou clichê.
Usar amor não correspondido.
Como inspiração.
Já virou clichê.
Tudo que escrevo.
Já é monótono.
Procuro novas reações.
Para assim escrever.
Quero algo mais material.
Abandonar esse sentimentalismo.

Do meu querido, Bredi.

domingo, 7 de novembro de 2010

"Eram dias parados, aqueles. Por mais que se movimentasse em gestos cotidianos - acordar, comer, caminhar, dormir -, dentro dele algo permanecia imóvel..." 



Caio F.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Mesmo que voltassem a ser o que eram antes, e como eram, nada mais seria igual.
Um rockerzinho, a garotinha dos sonhos e a outra, sempre indo e vindo..

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Oito anos

Oito anos desde a sua partida e seis que eu não lhe visitava.
Não sei se porque ela não deixava, eu por descaso meu, ou estava evitando sofrer mesmo.
Acontece que, nos últimos tempos você tem se tornado uma ausência grande na minha vida e eu, realmente, sinto falta e mais dor do que sentia há oito anos atrás, quando você me deixou.
Então, nesse ano, tomei coragem e fui. Estranha a sensação que tive, não fiquei feliz por saber que estava ali e nem triste por saber que não me acompanha mais. Apenas mantive o automático.
Mandaram-me rezar, não lembrava nenhuma oração e então a fiz com as minhas palavras, à seus pés.
A única coisa que saiu da minha boca foram "I miss You, Daddy" e de repente, meus olhos se encheram de lágrimas mas forte que sou, não deixei-as cair.
Lidar com a tua morte, tem sido cada vez mais distante pra mim, preocupo-me com a estética do teu túmulo mas na verdade, queria te ver só mais uma vez, meu querido e preferido.
Entre todos os homens da minha vida, e não foram poucos, o que eu mais amei, foi você, papai.

sábado, 30 de outubro de 2010

"Nunca esperei que um dia, numa tarde de sábado, você podia sair de dentro do meu rádio para dizer olhando para mim: I love you." Little girl, better than I love my, better than I love myself... Want you and me forever ever and ever...Just so, far from home...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Quem quiser nascer tem que destruir um mundo; destruir no sentido de romper com o passado e as tradições já mortas, de desvincular-se do meio excessivamente  cômodo e seguro da infância  para a conseqüente dolorosa busca da própria razão do existir: ser é ousar ser

Hesse

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Querida Alison

Já não sei se devo permanecer aqui ou só dar o parecer de que realmente partirei. Os dias estão cada vez mais quentes e a cidade está virada num inferno sem você.
Tenho evitado, por muitos dias, escrever-te mas é quase que impossível. Não tenho mais o controle sobre mim.      Toda vez que pego papel-caneta na mão, só sai essa bendita carta, então, nada melhor do que agir e não atrasar mais. E fico com esse pensamento insano-louco de te agarrar mais uma vez e sentir teu corpo suado, colado junto ao meu.
Não sei por quem mais devo chorar e se devo. Se posso sorrir sabendo que não estou bem o bastante para tal.  Ou se posso descansar finalmente e ter uma noite de sono. Tenho virado madrugadas a dentro, procurando te encontrar, ou encontrar uma solução pra esse sentimento. As horas vão passando e de repente já é de manhã.   Sinto falta de você me desejando um bom dia e me acordando com aquele beijo, que só você pode, e sabe, me  dar.
Encontro na bebida, o que encontrava em você, antes do ocorrido. Só não encontro aquele carinho que você me dava, minha doce Alison, do jeitinho que eu precisava.
Lucy ligou dia destes, perguntou como estávamos e disse que viria para um final de semana; falei que não existíamos mais, acho que fiz certo, mas de qualquer forma, mandei ela vir visitar a nossa antiga casa, agora minha.
A distância cada vez mais têm me sugado. E o problema é que não é só para um lado que desejo ir. Norte, Leste, Oeste, Sul...As tentações aumentaram, arrumei mulheres, mas nada comparado ao que você, minha doce Alison, era e é pra mim.
Julia, este é o nome da minha mais nova decepção. É de longe, que nem você, se não fossem tão diferentes e iguais ao mesmo tempo, arriscaria que se conheciam.
Ilusão minha, pois eu mesmo sei que Julia é só mais uma tentativa falha de te esquecer.
Você fez um grande estrago e mim, e desse estrago, não quis pagar o concerto.
Lembro-me, de certa vez, em que você jurou que jamais me deixaria morrer de sede de teus beijos molhados. Pois então, o tempo passou e eu morri com a boca seca.
Não que eu tenha amado mais antigamente do que agora - e amo?
Só realmente acho que era mais fácil passar para o papel tudo o que eu sentia..
Com o sofrimento, criei resistência e hoje em dia não me decepciono como antes. Anestesiei.
De tantas tempestades e dias de sol eu já tirei inspiração, que hoje sinto inveja do meu antigo eu.
Hoje em dia a geleira em que virou o meu coração não me permite mais.
Até perdi o costume de ver as horas em relógio de ponteiro, sabe? Coisa que era rotina antigamente.
Ah, antigamente, tantos sonhos que acabaram me custando mais do que eu tinha a dar.
Época boa era a que eu podia sonhar de graça.
O que não acontece mais hoje em dia: envelheci e empobreci a alma.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O céu azul me faz lembrar dos dias que passei feliz e me motiva a querer sorrir novamente.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Escreve escreve e reescreve.
O nome dele chega a ser um veneno contra ela mesma.
Pensa e repensa, acha que vai fazer que nem uma mulher, que dia destes cansou de esperar e saiu procurando. Tinha medo. Ficar mal vista nesses dias não seria nada bom. Mas ela precisava disso, precisava tanto, que desligou a tv e foi dormir. Ah, amanhã ela resolvia.

Something

Nem queria estar com ele como queria antes, sabe? Estava naqueles dias não-quero-ninguém-perto-de-mim e sentia uma falta enorme dos finais de tarde em que passava sozinha, sem pensar em ninguém.
Mania mais estranha que o ser humano tem de sempre precisar de alguém. Não gostava de nada disso.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010


"Mas brotou então um orgulho tão grande de ser ainda capaz de sentir o coração cheio de emoções-Bethânia que era quase como uma felicidade. Sangrada, do avesso – que importa? Era real, era vivo. Isso é muito, e Bethânia canta."


Caio F. Abreu

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Toda aquela coisa selvagem...pele, cabelo, suor.. mas romântica ao mesmo tempo está guardada ainda à sete chaves comigo.
Desde a sola do pé até a nuca..

domingo, 17 de outubro de 2010

Esse Cara

Ah, esse cara tem me consumido
A mim e a tudo que eu quis
Com seus olhinhos infantis
Com os olhos de um bandido
Ah, esse cara tem me consumido
A mim e a tudo que eu quis
Com seus olhinhos infantis
Com os olhos de um bandido
Ele está na minha vida porque quer
Eu estou para o que der e vier
Ele chega ao anoitecer
Quando vem a madrugada
Ele some
Ele é quem quer
Ele é um homem e eu sou apenas uma mulher

Caetano Veloso, mas poderia ser Miss Lexotan

sábado, 16 de outubro de 2010

Ah vida, quem mandou tu existir hein?
 Quase 40 anos e os pais ainda a governam.  Ela é toda certinha, com horários e compromissos. Mas tem um lado, que só uma pessoa conhece. Ela mesma.
Amou, casou, sofreu. O marido batia nela quando chegava em casa, todas as noites. Ela aguentou por oito anos. Depois, ele acabou morrendo e ela se libertou. Começou a sair, fumava, bebia, cheira às vezes, mas não era sempre, voltava às sete da manhã e achava que estava feliz.
Foi aí, que ela conheceu um cara, amou novamente, sofreu novamente. Pois este casou-se e continuou com ela. E ela sempre levando..pois quando está com ele, ela acha que está feliz.
Briga com todo mundo que fale mal dele, pois não admite a verdade. E isso é óbvio, não admitimos que falem mal de nossos amores.
Enfim, ela segue a vidinha tediosa dela, com seu trabalho bem sucedido, afundada em dívidas por conta do "amor", sem mais horários pra nada, nem estudar direito ela pode...
Ela só quer ser feliz, assim como todo mundo..
Pena que tenta da maneira errada.

Tabacaria - Álvaro de Campos


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Não me digas que estás pra lá de Bagdá porque eu sei que, na verdade, está muito mais longe.
Esse teu descaso todo nos últimos dias, tem nome: dor de cotovelo.

Aquele tipo de pessoa que vive com as unhas roídas, com os problemas à flor da pele
E que não se importa com o amanhã.
É esta que vos escreve.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Não disse nada.

Não disse nada. Apenas caminhou lentamente em direção ao quarto e se jogou na cama. Ficou um tempo olhando para o teto envernizado e cheio de teias de aranhas, pensando nele, é óbvio. O coraçãozinho estava aos pulos, nem o tic tac do relógio da cabeceira e os latidos dos cães nas ruas do subúrbio conseguiam fazer com que ela desviasse a atenção do teto, agora com o rosto dele.
Há dias já que estava procurando entender o porque de não parar de pensar nele, estava até evitando escutar as gravações caseiras dele, com um violão ao fundo e aquela voz macia, que destruía toda a pose de machão que ele tinha.
"Ele tem ela lá e tudo mais..." pensou, mas teve esperanças assim que lembrou que, uma outra vez, ele tinha dito que gostava de ter relacionamentos à distância, nem que pra isso, ficasse com as duas. Ela não se importava nem um pouquinho em dividir o amor dele com a outra, já que essa seria a única forma de tê-lo por "perto".
Estava tarde e ela precisava dormir, despediu-se. Ao contrário dos outros dias que ele dizia "Tá bem, boa noite, beijos" ele disse "Tá bem, beijos, boa noite <3"
Pronto. O coração no final da frase a fez crer na possibilidade de, um dia, ficarem juntos.
Agora, ela não pensava em mais nada e em mais ninguém, a não ser nele.
E ele nem disse nada.